domingo, 9 de março de 2014

Pregão do kit escolar incluiu firmas sem atuação no ramo

March 9, 2014 - 08:56

Pregão do kit escolar incluiu firmas sem atuação no ramo

Galpão localizado no endereço da Orla Distribuidora de Protudos_Foto: Rogerio Marques
Galpão localizado no endereço da Orla Distribuidora de Protudos_Foto: Rogerio Marques
Compra de materiais escolares do governo Carlinhos Almeida é alvo de investigação do MP; oposição vê possível conluio
Max Ramon
Editor de Política
O pregão realizado pela Prefeitura de São José dos Campos para a compra dos kits de materiais escolares teve a participação de empresas sem atuação no ramo.
O certame aconteceu em outubro do ano passado e teve como vencedora a Inovatt Comercial, de Sorocaba (SP), por R$ 14,550 milhões.
Segundo o governo Carlinhos Almeida (PT), 80 empresas retiraram o edital e 12 compareceram ao pregão.
Dessas, pelo menos três não atuam no ramo de materiais escolares. Uma delas deixou a sessão pública do certame sem apresentar nenhuma proposta e as outras duas fizeram apenas um lance.
A compra dos kits é alvo de um inquérito do Ministério Público, que investiga denúncias de superfaturamento e de direcionamento do contrato.
O governo nega irregularidades no processo.

Lances. 
Uma das participantes do pregão foi a Levin Comercial Ltda, que, segundo dados da Junta Comercial do Estado, atua nos ramos de urbanização de ruas e praças e comércio de materiais para construção. A empresa registra como sede a casa dos donos, Carlos Eduardo Ferrini Teixeira e Iria Magali de Oliveira Teixeira, na Vila Paiva, em São Paulo.
A Levin fez apenas um lance no pregão dos kits escolares, de R$ 15.439.681, exatamente o valor de referência do pregão (espécie de 'teto' para os participantes).
Outras duas empresas apresentaram ofertas idênticas, sem nenhum centavo a mais ou a menos: a Matheus Forte ME, também de São Paulo, e a Universo da Criação Indústria e Comércio de Bolsas Ltda, de Curitiba (PR).

Sede oculta. 

Outra empresa que aparece entre as participantes do pregão é a Orla Distribuidora de Produtos Eireli.
Em cadastro na Junta Comercial do Estado, a empresa, aberta em janeiro do ano passado, declarou atuar no comércio atacadista de roupas e acessórios para uso profissional, produtos de higiene, móveis e artigos de armarinho (tecidos e materiais de costura).
No endereço registrado como sua sede, em Taubaté, há um galpão fechado. A Orla não possui site e não aparece na lista telefônica.
No pregão dos kits escolares, a empresa fez apenas uma oferta, de R$ 15.556.636, mais de R$ 100 mil acima do valor de referência do edital.

Limpeza. 

A Terra Clean Comercial Ltda, com sede em São José, diz atuar nos ramos de paisagismo, instalação e manutenção elétrica, instalação e manutenção de sistemas de ar condicionado e impermeabilização de obras. O site da empresa ressalta ainda a atuação nas áreas de limpeza, coleta e transporte de resíduos.
A Terra Clean foi a única das 12 participantes do pregão que deixou a sessão pública sem fazer nenhuma oferta.
"O perfil dessas empresas e a forma como atuaram no pregão levantam suspeitas sobre um possível conluio", disse o presidente do PSDB de São José, Anderson Ferreira.
"É preciso saber se a prefeitura sabia disso", completou.

Parceira. 

Após o pregão, a Inovatt se associou à Comvalle Produtos e Alimentos, de Igaratá, para o fornecimento dos kits escolares --com o aval da prefeitura. A parceria deu origem ao consórcio Inovalle, pessoa jurídica que acabou assinando o contrato com o governo Carlinhos Almeida.
A Comvalle não participou do pregão dos kits e, a exemplo da Levin, da Orla e da Terra Clean, não atuava no ramo de materiais escolares. Seu objeto social é o comércio varejista de produtos alimentícios, tecidos e artigos de cama, mesa e banho, armarinho e vestuário.
O advogado João Fernando Lopes de Carvalho, especialista em Direito Público, diz que, em pregões presenciais, a legislação só obriga a prefeitura a checar a documentação da empresa vencedora.
"Mas os editais podem exigir um objeto social específico e até uma experiência prévia das participantes, como forma de garantia", afirmou.

Governo nega irregularidades no processo A Prefeitura de São José informou, por meio de nota, que o pregão para a compra dos kits "correu dentro da normalidade, sendo cumpridos todos os trâmites legais" e que não houve irregularidade nos atos administrativos.
"Retiraram o edital 80 empresas. Participaram do pregão presencial 12 e nenhuma delas fez qualquer questionamento", sustentou a administração municipal.
A prefeitura ressaltou que, "conforme previsto na Lei de Licitações, a verificação da conformidade do objeto da licitação com o objeto social da empresa é feita apenas após declaração da vencedora".
"Voluntários do Observatório Social [ONG que fiscaliza gastos públicos] também assistiram a reunião de abertura das propostas, e também nada questionaram", concluiu.
Por dois dias consecutivos, O VALE telefonou para a Levin Comercial e a Terra Clean, mas não conseguiu falar com nenhum representante dessas empresas.
A reportagem também tentou localizar os proprietários da Orla Distribuidora de Produtos e da Comvalle Produtos e Alimentos, sem sucesso.

Concorrentes. Site da empresa Terra Clean, uma das 12 presentes no pregão dos kits, revela foco em serviços de limpeza; no alto, galpão localizado no endereço da Orla Distribuidora de Protudos
Site da empresa Terra Clean, uma das 12 presentes no pregão dos kits,
revela foco em serviços de limpeza

Kit custou até 74% mais que no varejo 
O VALE mostrou que a prefeitura pagou até 74,4% mais caro pelos kits em relação aos preços de papelarias de São José. A principal variação foi a do palito de sorvete: o pacote com 100 unidades, comprado pela prefeitura por R$ 11,16, é encontrado por R$ 2,43 no varejo (diferença de 39,25%). O Ministério Público abriu inquérito para investigar a compra.

Pregão foi definido em seis minutosO pregão que definiu o fornecedor dos kits escolares durou apenas seis minutos, segundo ata da prefeitura. Das 80 empresas que retiraram o edital, 12 compareceram à sessão pú- blica em 31 de outubro de 2013. Dessas, três apresentaram propostas idênticas, de R$ 15.439.681. Metade das participantes abandonou o pregão na primeira rodada de lances.

SAIBA MAIS
A compraA Prefeitura de São José investiu R$ 14,550 milhões na compra de 66.400 kits de materiais escolares para alunos da rede municipal

Consórcio
O pregão para o fornecimento dos itens foi vencido pela empresa Inovatt Comercial, de Sorocaba. Antes da assinatura do contrato, ela se associou à Comvalle Produtos e Alimentos, de Igaratá, formando o consórcio Inovalle

Cotação
O VALE mostrou que o grupo Comvalle teve conhecimento dos itens que seriam exigidos mais de um mês antes do pregão, além de ter ajudado a definir o valor máximo do edital

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