segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Tim Maia — Um brasileiro chamado Jim


02/12/2012
 às 18:00 \ Livros & Filmes - Ricardo Setti - Veja

TEXTO, FOTO E VÍDEOS: Tim Maia — Um brasileiro chamado Jim

MAIS GRAVE, MAIS TUDO -- Tim Maia em um show da década de 80: o artífice da soul music nacional misturou o gênero americano, que ele conheceu in loco, com ritmos brasileiros como samba e baião (Foto: Ana Carolina Fernandes / Estadão Conteúdo)
MAIS GRAVE, MAIS TUDO -- Tim Maia em um show da década de 80: o artífice da soul music nacional misturou o gênero americano, que ele conheceu "in loco", com ritmos brasileiros como samba e baião (Foto: Ana Carolina Fernandes / Estadão Conteúdo)
Reportagem de Sérgio Martins, de Tarrytown, publicada em edição impressa deVEJA

UM BRASILEIRO CHAMADO JIM
Uma nova coletânea reforça o status cult de Tim Maia nos Estados Unidos – onde, aliás, o cantor tentou a sorte na década de 60, em uma fase pouco conhecida de sua carreira

O carioca Sebastião Rodrigues Maia (1942-1998) chegou aos Estados Unidos em 1959 com 12 dólares no bolso. Mal sabia balbuciar uma frase em inglês, mas pelo menos conseguiu que o taxista o levasse à estação Grand Central. Dali, pegou um trem para Tarrytown, a 40 quilômetros de Nova York, onde se hospedou na casa de uma família que conhecera no Brasil. A aventura terminou em 1964, quando ele foi deportado por roubo e posse de entorpecentes.
Cinquenta e três anos depois, o cantor retorna aos Estados Unidos, agora pela porta da frente. Lançada no início de outubro pela Luaka Bop (gravadora do roqueiro brasilianista David Byrne), a coletâneaNobody Can Live Forever, dedicada ao autor de Não Quero Dinheiro (Só Quero Amar), praticamente esgotou sua tiragem inicial de 100.00 cópias.
A imprensa tem sido igualmente generosa. O jornal The New York Times, por exemplo, deu a ele status de pioneiro: foi “o homem que colocou o funk no Rio”. Em sua acidentada turnê americana da juventude, Sebastião era chamado de “Jim”, ou, para os mais próximos, “Jimmy”, porque os americanos não conseguiam pronunciar “Tião”, apelido dos tempos do bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro. Hoje, ele é conhecido pelo mesmo nome com que fez fama no Brasil: Tim Maia.
O músico Roger Bruno, hoje com 68 anos, trabalhou com o cantor brasileiro nessa esquecida fase americana. Fazia doo wop (estilo vocal influenciado pelo rhythm’n'blues) quando conheceu Tim – aliás, Jim -, que então integrava uma banda de twist. Bruno convidou o brasileiro a juntar-se ao Ideals, grupo que mantinha com os vocalistas Felix de Masi, Paul Mitranga e Bill Adair. “O sotaque de Jimmy era carregado demais para que ele fosse o vocalista principal. Ele ficou responsável pelas harmonias e pela guitarra”, lembra Bruno – que era a voz maior do Ideals.
SOUL COM BOSSA -- Roger Bruno (o primeiro, das esq. para a dir.): nos anos 60, a dupla compôs New Love, que Tim Maia regravaria em 1973 - sem avisar o parceiro (Foto: Divulgação)
SOUL COM BOSSA -- Roger Bruno (o primeiro, das esq. para a dir.): nos anos 60, a dupla compôs New Love, que Tim Maia regravaria em 1973 - sem avisar o parceiro (Foto: Divulgação)
Fã de João Gilberto, o brasileiro apresentou o trabalho do bossa-novista ao amigo americano. A influência do violonista baiano fica clara em New Love, parceria de Tim Maia e Roger Bruno que integra o único compacto lançado pelo Ideals (a outra canção do disco intitula-se Go Ahead and Cry). New Love seria regravada por Tim em 1973, mas ficou de fora deNobody Can Live Forever, embora a coletânea privilegie canções em inglês.
A gravação original do Ideals contou com a participação do baterista brasileiro Milton Banana, que estava em Nova York por ocasião do show em homenagem à bossa nova no Carnegie Hall. Outra presença ilustre no disco é o contrabaixista de jazz Don Payne. Bruno ainda guarda um compacto em sua coleção pessoal, mas, possessivo, se recusou a colocá-lo no toca-discos na presença do repórter de VEJA. “Não gostei da gravação”, justifica-se.
Tim Maia entrou para o anedotário brasileiro por causa das inúmeras vezes em que faltou a shows e entrevistas e por se queixar do sistema de som dos locais em que se apresentava. Os pedidos de “mais grave, mais agudo, mais retorno” viraram uma espécie de mantra, que ele repetia com satisfação. Jim ainda não fazia o gênero despachado do folclórico Tim. “Ele estava sempre impecável, com camisa bem passada e sapatos engraxados. Quando alguém desafinava ou errava a harmonia, Jim o fuzilava com os olhos”, lembra Bruno.
Nas ocasiões em que lembrava o período em Tarrytown, Tim falava dos vários “bicos” que fez: entregou pizzas e ajudou a cuidar dos internos de um asilo. Bruno lembra de outra atividade do amigo. “Ele recebia ajuda financeira de umas senhoras mais velhas”, insinua.
Tarrytown tem pouco mais de 11 000 habitantes. Nos anos 60, a cidade abrigava uma cena efervescente de jazz e música negra. A convite de VEJA, Roger Bruno percorreu os locais que frequentava com o amigo brasileiro. Os Ideals ensaiavam numa loja de doces, em frente à delegacia da cidade. Apesar da proximidade dos agentes da lei, o local, controlado por um tipo mafioso, servia como ponto para apostas ilegais.
Hoje a loja virou um restaurante – e de culinária brasileira. A poucos metros dali, na Rua North Washington, encontra-se a Shiloh Baptist Church. Tim Maia passava as tardes sentado na escada, deleitando-se com o canto gospel que vinha de dentro da igreja. Bruno lembra de Jim como um tipo dado a pequenas transgressões: pulava a catraca do trem e furtava comida em supermercados.
No fim de 1963, foi preso juntamente com quatro adolescentes negros em Daytona, na Flórida. Jim ligou para o amigo, pedindo a este que pagasse a fiança. “Eu disse que dessa vez não poderia ajudá-lo. Jim ficou furioso”, diz Bruno. O cantor passou seis meses na prisão antes de ser mandado de volta para o Brasil. Bruno nunca mais soube do amigo.
Certo dia, foi procurado pelo jornalista e crítico Allen Thayer, colaborador da revista “descolada” Wax Poetics, que tentava confirmar se Bruno era mesmo coautor de New Love. “Não sabia que Jim tinha regravado a música. Jamais recebi royalties por ela”, diz. O disco brasileiro que inclui New Love tem também Réu Confesso, que por coincidência trazia Paul e Sheila Smith, um casal de amigos de Roger Bruno, nos vocais de apoio. “Tempos depois, eles me contaram que participaram do disco de um artista brasileiro chamado Tim Maia. Eu nunca imaginei que fosse o Jim.”
Roger Bruno continuou no mundo da música, compondo em parceira com sua mulher, Ellen Dalle. A dupla teve obras gravadas por Cher, Teddy Pendergrass e Pat Benatar, entre outros artistas. De volta ao Brasil, Jim, ou melhor, Tim Maia, tornou-se incomparavelmente maior. O cantor conjugou tudo o que aprendeu da música negra americana com ritmos brasileiros como samba e baião.
Ao mesmo tempo inovadoras e radiofônicas, suas canções (veja uma pequena seleção de pérolas no quadro ao lado) definem e resumem o melhor do pop brasileiro. Nobody Can Live Forever está dando mais notoriedade a Tim Maia nos Estados Unidos, onde ele já era objeto de culto – sobretudo por Tim Maia Racional, seu disco esotérico de 1975. ]
O repertório de Nobody Can Live Forever traz, aliás, várias canções dessa fase, mas ignora hits como Sossego. Não importa: mesmo que cantasse em checheno, Tim Maia seria sempre o grande sedutor de multidões. O disco novo realiza, em parte, um sonho do cantor. “Jim sempre quis estourar nos Estados Unidos como artista pop”, diz Roger Bruno. Não é Jim, Roger: é Tim Maia.

TIM ESSENCIAL
As canções de Tim Maia que todos têm de ouvir para poder dizer que viveram


Coronel Antonio Bento (1970)
A canção composta por Luiz Wanderley e João do Vale aparece no disco de estreia de Tim Maia, lançado em 1970, e traz uma sacolejante mistura do funk e do soul americanos com os brasileiríssimos forró e baião




Não quero dinheiro (Só Quero Amar) (1971)
Tim Maia fez sucesso (e dinheiro) encarnando o apaixonado que coloca o amor acima de preocupações materiais. De autoria do próprio intérprete, esta canção dançante já fez parte de shows da cantora Marisa Monte, do grupo Jota Quest e do sertanejo Michel Teló


Gostava Tanto de Você (1973)
Foi composta por Édson Trindade, companheiro de Tim no grupo Os Tijucanos do Ritmo. O arranjo, com naipe de sopros, define a mistura de soul e samba típica do cantor




Rational Culture (1975)
Faz parte da fase mística de Tim Maia, quando ele se filiou à seita Universo em Desencanto. É um funk psicodélico, com mais de doze minutos de duração, no qual o cantor prega as mensagens de sua – vá lá – filosofia. Prince não faria melhor




Sossego (1978)
O cantor brasileiro flerta, meio timidamente, com a onda disco. Tem arranjos de Lincoln Olivetti (que dominou as discografias do pop e da MPB na década de 80), instrumental da Banda Black Rio e guitarra de Hyldon, parceiro de Maia. O funk ficou conhecido a ponto de ter um trecho citado, na guitarra, pelo Guns N¿ Roses, durante a apresentação do grupo no Rock in Rio 2001



Nuvens (1982)
Composta em parceria com outro soulman, o cantor e compositor Cassiano, a canção surpreende pela versatilidade do arranjo: embora seja uma faixa soul, encontra-se ali uma forte influência da bossa nova. Lançado pela gravadora Vitória Régia, do próprio Tim, o disco esteve fora de catálogo por anos

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