sábado, 27 de agosto de 2011

China é passaporte para a "nova Jacareí"

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China é passaporte para a "nova Jacareí"

Por Luciano Máximo | De Jacareí (SP)     O VALOR ECONOMICO
Ana Paula Paiva/Valor/Ana Paula Paiva/ValorO prefeito Hamilton Ribeiro Mota (PT) quer fazer "uma nova Jacareí brotar do chão" na região onde serão instaladas gigantes chinesas como a Chery e a Sany: "Vamos sair da sombra de São José"
Jacareí quer crescer e sair da sombra da vizinha rica São José dos Campos, sede de empresas como Embraer e General Motors. O passaporte, não só para o desenvolvimento econômico, mas também para o nascimento de uma nova Jacareí, é a chegada de grandes indústrias chinesas e de outras companhias à cidade, localizada no Vale do Paraíba, a 78 quilômetros da capital paulista.
Nos próximos meses a estatal Chery, uma das maiores montadoras da China, com mais de 1 milhão de carros produzidos em 2010, e a privada Sany Heavy Industries, fabricante de escavadeiras e guindastes, se instalam em Jacareí. Na esteira, outras indústrias chinesas de menor porte, fornecedoras e parceiras das duas gigantes, serão atraídas.
Além disso, a espanhola do setor automotivo Teknia Tecnotubo e o hipermercado americano Walmart já começaram a construção de suas unidades em Jacareí, enquanto Ambev e o grupo Cebrace, do setor vidreiro, anunciaram a expansão de seus negócios na cidade. No total, estima-se US$ 1,3 bilhão em investimentos privados (US$ 600 milhões da Chery e da Sany) e a criação de 6,8 mil empregos diretos em cinco anos, que se somarão aos mais de 15,5 mil postos de trabalhos industriais registrados em Jacareí, de acordo com dados do Ministério do Trabalho fechados no fim do ano passado.
Os maiores aportes - e os mais estratégicos para o município - concentram-se nos empreendimentos chineses. Eles serão cravados na região norte do município, um território de 35 milhões de metros quadrados completamente inexplorado e praticamente despovoado. À margem da rodovia Presidente Dutra, a área tem alguns poucos galpões industriais e propriedades rurais, atividade irrisória para a economia local, com peso de 0,3% - indústria e serviços, por sua vez, participam com 49,6% e 50,1%, respectivamente.
"É do lado de lá da Dutra que vamos fazer brotar do chão uma nova Jacareí", exclama o prefeito Hamilton Ribeiro Mota (PT). Terceiro mandatário petista seguido na cidade, ele, arquiteto de formação, usará as futuras receitas tributárias geradas pelos chineses - serão mais de R$ 50 milhões anuais apenas com a Chery - para resolver o principal problema local: mobilidade viária e saturação urbana. Alterações no Plano Diretor atual já estão sendo providenciadas para definir um novo modelo de ocupação do solo e de urbanização.
Com 359 anos de história, Jacareí foi uma importante produtora de café, abrigou as primeiras tecelagens no início da industrialização brasileira e manteve um perfil industrial até hoje, mas seu crescimento se limitou à região central. A mancha urbana da cidade, de ruas estreitas, poucos prédios e trânsito que beira o caótico em horários de pico, ficou encurralada numa espécie de miolo entre as rodovias Dutra e Carvalho Pinto. Outros municípios da região, como São José e Taubaté, aproveitaram a proximidade desses importantes corredores para atrair mais empresas e também expandir seus limites urbanos.
Para o prefeito, a dinâmica que será gerada no entorno das empresas vai acelerar o processo de urbanização no novo território. "Temos a chance de criar uma cidade moderna, com zonas mistas de ocupação: não vamos isolar, mas mesclar moradia popular, com condomínios de maior padrão, hotéis, serviços públicos e privados, pequenas, médias e grandes empresas, facilitando a mobilidade", diz Mota.
O vereador oposicionista Dario Burro (DEM) questiona a ambição da gestão petista. Ele conta que o relevo compromete o projeto da "nova Jacareí". "Há muita várzea na região e o solo é muito irregular. Isso pode trazer prejuízos no longo prazo, é uma decisão equivocada, baseada na ideia de um desenvolvimentismo a qualquer preço. Estão desprezando o perfil de instância natural e o potencial turístico de Jacareí", argumenta Burro.
Ana Paula Paiva/Valor/Ana Paula Paiva/ValorLiew Fah Tchai, professora de mandarim de escola pública de Jacareí: "Para brasileiros, o idioma pode ser o diferencial para entrar nas empresas chinesas"
Um grupo de trabalho foi criado dentro da prefeitura, envolvendo quase todas as áreas do governo. Segundo o secretário municipal de Planejamento Urbano, Valter Corbani, o objetivo é definir as futuras políticas públicas de urbanização da "nova Jacareí", prevista para ocorrer nos próximos 20 anos. "A lei atual não permite o uso do solo na região, vamos revisá-la. O território tem áreas de várzea, montanha, relevos acidentados, por isso serão criados parâmetros de ocupação e de ordenamento urbano, respeitando questões ambientais e evitando um crescimento descontrolado e ocupações irregulares", explica Corbani.
A montadora chinesa sondou mais de 20 cidades brasileiras em oito Estados, do Rio Grande do Sul a Pernambuco, mas prevaleceu o forte mercado paulista e a localização privilegiada de Jacareí. "A cidade tem um forte potencial pelas condições geográficas, disponibilidade de mão de obra e potencial de infraestrutura", afirma Luis Curi, CEO da Chery. Emerson Goulart, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, acrescenta que incentivos fiscais diferenciados oferecidos pelo governo estadual e pela prefeitura também ajudaram a convencer a Chery.
No caso municipal, uma lei permite o ressarcimento, em espécie, dos investimentos privados conforme a criação de postos de trabalho e a arrecadação gerada para o Fisco, além de garantir um período mais longo de isenção tributária de acordo com o número de empregos gerados. A Chery, que prevê investimentos de US$ 400 milhões e a criação de 3 mil postos de trabalho no ápice da produção (170 mil veículos por ano em 2013), terá isenção de IPTU por mais de duas décadas. "Jacareí estagnou nos anos 1990, a prefeitura estava parada, várias companhias estavam fechando as portas. Não tínhamos uma política de atração de empresas, tudo sobre indústria era tratado pela Secretaria Municipal de Agricultura. Isso começou a mudar em 2001 com uma reforma administrativa", diz Goulart.
A escolha de Jacareí pela Chery foi sacramentada em setembro do ano passado, depois de mais de um ano e meio de negociações. As conversas foram marcadas por trocas de afagos entre autoridades brasileiras e executivos chineses. "A relação pessoal tem peso grande na cultura chinesa. Quando cheguei à China fui recebido com flores no aeroporto. Retribuí. Não com a mesma maestria, mas acho que fez alguma diferença", relata o prefeito Mota.
Na expectativa da chegada dos chineses e dos outros empreendimentos, a cidade vive momentos de euforia nos últimos meses. O mercado imobiliário empresarial e residencial passa por forte aquecimento. Empresários estão ansiosos com o provável aumento do consumo e, ao mesmo tempo, preocupados sobre a capacidade de a mão de obra local dar conta das demandas futuras. E já tem muito jacareiense aprendendo as primeiras palavras de mandarim.
Há 16 anos no ramo de compra e venda de imóveis na cidade, Rodrigo França, diretor-geral da França Imobiliária, conta que os preços no setor subiram mais de 130% nos últimos três anos. A efervescência do setor levou o jovem empresário, de 32 anos, a fechar parcerias com grandes construtoras e incorporadoras para a criação de condomínios empresariais - áreas fechadas com infraestrutura e segurança, que abrigam até 60 galpões padronizados de pequenas e médias empresas, normalmente fornecedoras das grandes indústrias da cidade, de São José dos Campos e da região.
"O empresário se interessa pela segurança. Ele iria gastar no mínimo R$ 5 mil por mês para contratar uma empresa de vigilância, aqui ele rateia o custo: dá R$ 500, R$ 600 mensais, que é o valor do condomínio", explica França, que já lançou dois condomínios do tipo e tem mais dois encaminhados. O negócio é vantajoso. Há cerca de três anos, ele investiu até R$ 3 milhões no terreno do empreendimento. "Hoje essa gleba vale pelo menos R$ 10 milhões. Cada lote de mil metros quadrados a gente vende por R$ 400 mil. Está tudo vendido, tem fornecedor de Embraer, Petrobras, firma de autopeça. Todos de olho na chegada da Chery, muita gente querendo comprar e não temos para vender."
França e outros empresários de Jacareí aproveitam o bom momento, mas temem sofrer dificuldades no momento de contratar. "Já estamos buscando mão de obra em São José, Taubaté, sem dúvida é e será um problema", afirma França. O vereador Dario Burro observa que as empresas estrangeiras têm processos de produção altamente automatizados e vão demandar trabalhadores "extremamente" qualificados. "Nesse aspecto, o governo está vendendo uma falsa prosperidade à população, boa parte dos futuros empregos virão de outras cidades", opina Burro.
A espanhola Teknia precisou buscar trabalhadores fora da cidade para a obra de terraplenagem de sua futura instalação, às margens da Dutra. Contratado no mês passado, Cosme Pereira, de 33 anos, levanta às 4h30 todos os dias para percorrer os 50 quilômetros entre Itaquaquecetuba e Jacareí. "Fomos contratados para refazer as canaletas do terreno, que foram feitas errado. O serviço é puxado, mas alguém tem que acordar cedo, pegar na marreta, não é? Parece que aqui o patrão não encontrou braço", fala o trabalhador.
De acordo com a prefeitura, junto com a política de atração de investimentos está contemplada a ampliação da oferta de qualificação profissional. "O Senai de Jacareí hoje está na capacidade máxima e não tem como crescer mais, por isso doamos uma área e o processo de criação de uma nova unidade, que vai ter investimentos de R$ 35 milhões, está em andamento no Sistema S", informa o secretário Emerson Goulart. Em 2012, o Ministério da Educação (MEC) vai inaugurar um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia no município, com cursos técnicos e graduações de nível superior focados em mecânica, logística e edificações. "São as áreas mais críticas", completa o secretário.
A demanda por mão de obra na cidade também é alvo da principal política da atual administração: as escolas Educa Mais. Inspirado nos CEUs, de Marta Suplicy em São Paulo, e dos Cieps, de Leonel Brizola e Darcy Riberio no Rio de Janeiro, o projeto é um centro multidisciplinar que oferece ensino público regular e atividades de formação profissional, esportivas e culturais. De 2008 até hoje, foram inauguradas quatro unidades que funcionam diariamente das 6h às 22h, abertas a toda comunidade. Até o ano que vem serão inaugurados outros três centros.
O Educa Mais tem aprovação praticamente integral da população e, nos bastidores políticos, é tido como a garantia para mais uma reeleição para o PT nas eleições municipais de 2012. "Não importa a ocasião, o prefeito sempre começa um discurso ou uma conversa falando do Educa Mais", conta um funcionário da prefeitura.
É em um desses espaços que Liew Fah Tchai ministra um dos cursos mais procurados: pelo menos 180 pessoas estão na fila de espera para aprender mandarim. As aulas começaram em fevereiro e estão na segunda turma, com mais de cem alunos matriculados. "Muita gente está interessada por causa das empresas chinesas, as pessoas sabem que o mandarim é a língua do futuro. Uma das minhas melhores alunas até já conseguiu emprego na Sany", conta a professora, que chegou ao Brasil em 1998 e se mudou para Jacareí há quatro anos. "Antes morava em Atibaia, dava aulas particulares e vendia artesanato, mas ficou difícil achar trabalho por lá."
Apaixonada por viajar, Fah Tchai morou em vários países e escolheu o Brasil pela "alegria do povo". Ela diz que os brasileiros aprendem a falar rápido o mandarim, mas "se assustam" com os ideogramas. "Mas o português é mais difícil, muita conjugação complicada", comenta ela, num português difícil de entender.

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